Arquivo para fevereiro \27\-03:00 2010

É um barato a Discoteca do Chacrinha…

Dias desses, vi o documentário “Alô, Alô, Terezinha”, de Nelson Hoineff, sobre o lendário Chacrinha.

Estou aqui articulando as palavras, mas já vou dizendo que cada um que se interessar deve assisti-lo para ter sua própria opinião.

Na verdade, a lembrança daquele que, entre vários outros, teve o nome de Discoteca do Chacrinha, remete a um programa de auditório muito divertido e que, além de calouros, trazia uma miscelânea de atrações que iam de Caetano Veloso a Agnaldo Timóteo, nos idos dos anos 1950 a 1980.

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha (1917-1988), era um apresentador irreverente e, de tal forma descumpria roteiros e regras, que, deixando a produção enlouquecida, conseguia fazer um dos programas mais criativos e bem humorados que a TV brasileira já viu.

Imagine se Faustão, Hulk, Raul Gil ou qualquer outro conseguiria fazer isso atualmente – Faustão até que chegava perto no já pré-histórico “Perdidos na Noite”.

As Chacretes e o corpo de jurados integrados por célebres como Elke Maravilha, Aracy de Almeida, Carlos Imperial e Rogéria, entre outros, colaboravam para tornar o programa ainda mais atraente.

Isso tudo, com certeza, seria mais que suficiente para construir um documentário muito interessante.

Chacrinha incomodava.

Nelson Hoineff, entretanto, optou por um enfoque um tanto quanto grotesco.

O filme parte de depoimentos de ex-calouros que levaram “buzinadas”. Se, na época, já eram os protagonistas da famosa “vergonha alheia”, imaginem hoje. O diretor insistiu em captá-los cantando “a cappella”, em situações totalmente impróprias – um canta dentro de um circular –, extramente desafinados, tanto ou mais que antigamente.

As Chacretes se desconstroem. Salvo, talvez, Rita Cadillac, as demais se mostram em situações de velhice e pobreza. Expõem-se, expõem o passado de drogas e prostituição e expõem nomes de parceiros de então.

Mas não é só. Depoimentos de celebridades como Fábio Junior, Roberto Carlos, o próprio Agnaldo Timóteo estão totalmente desglamourizados, alguns deles chegando ao cúmulo de, tal como os ex-calouros, entoar suas músicas “a cappella”. A propósito, não há vez em que Timóteo apareça que não esteja criticando a Tropicália e João Gilberto.

Tamanha é a insistente bizarrice que me resta a dúvida de por que teria o filme sido construído em cima de cenas e pessoas tão grotescas para falar de um mito da alegria e irreverência. Além do mais, o “Velho Guerreiro”, codinome do Chacrinha, vestia-se com fantasias engraçadas; o cenário era de um colorido kitsch, porém agradável, e a Chacretes, em roupas mínimas, mas sempre atraentes.

Não me pareceu que o autor tivesse sido justo com o maior fenômeno de comunicação do país, politicamente incorreto, radical, renovador e que mudou para sempre a televisão brasileira e expressou um Brasil despercebido em torno dela, grande parte do tempo, no auge da ditadura militar.

Merten, crítico do Estadão, diz que Nelson Hoineff, de alguma forma reflete sobre o Brasil a partir de figuras que marcam a história da mídia brasileira, tanto que antes até já havia feito um documentário sobre Paulo Francis.

O documentário, contudo, preferiu expor pessoas a situações grotescas e constrangedoras a reconstruir todo o ideário da Discoteca do Chacrinha.

Ao final, restou-me uma sensação deprimente. Reforçada, quem sabe, por um choro sem qualquer convencimento do patético Agnaldo Timóteo e uma longa cena de Russo completamente calado, como quem nada tivesse a dizer, mesmo depois de tanto tempo ao lado deste grande fenômeno midiático.

Cálice

O que eu gostaria mesmo é de transcrever as conversas de botequim do final de semana. Afinal, “nada de novo existe nesse planeta, que não se fale aqui na mesa do bar”, já dizia Milton, em Conversando no Bar.

Discorremos sobre nossas frustrações políticas, os rumos de um carnaval enclausurado, os descompassos da educação nacional, a falta de opção de lazer, a proliferação de igrejas etc (Como beber / Dessa bebida amarga / Tragar a dor / Engolir a labuta / Mesmo calada a boca/ Resta o peito / Silêncio na cidade / Não se escuta).

Coincidentemente me ocorreu encontrar um vídeo no Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=oXGDlMMOEWg&feature=related), quando o Chico Buarque, num show, nos anos 1970, junto com o Gilberto Gil, tenta cantar Cálice, que havia sido censurada. São barrados, pois o microfone é cortado. Eles ficam balbuciando algumas palavras e não conseguem cantar a célebre música (Como é difícil / Acordar calado / Se na calada da noite / Eu me dano/ Quero lançar / Um grito desumano / Que é uma maneira / De ser escutado / Esse silêncio todo / Me atordoa / Atordoado / Eu permaneço atento / Na arquibancada / Prá a qualquer momento / Ver emergir / O monstro da lagoa…).

Interessante ouvir isso exatamente no momento em que está instaurada uma crise no governo com o lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos.

Segundo o Jornal do Brasil, em edição de 08/01/10, o “Plano Nacional de Direitos Humanos gerou polêmica e dividiu opiniões não apenas no governo (…), associações de meios de comunicação divulgaram nota criticando a proposta de criar um ranking das empresas do setor.”, uma vez que “o decreto prevê a criação de uma comissão governamental para acompanhar como os meios de comunicação tratam os direitos humanos”. Pelo jornal, a nota assinada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner) e Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirma não ser “democrática e sim flagrantemente inconstitucional a ideia de instâncias e mecanismos de controle da informação”.

Por outro lado, Igreja, Exército e diversos outros setores da sociedade já se disseram também contrários às medidas impostas pelo plano.

Inconformado – exageradamente já, como dizem meus amigos de bar –, repassei o vídeo do Chico aos meus contatos. Acresci, em tom jocoso, obviamente, que deveria mesmo o plano fazer valer novamente a censura, pois, quem sabe, nossos consagrados artistas se estimulassem a compor com aquela profusão de ideias e qualidade dos anos 60 e 70, em frontal protesto e rebeldia aos desmandos da política.

Recebi as mais diversas respostas.

Minha prima Cinira, que até hoje mora em São Paulo, se fez voltar aos “’bons tempos’, em que os cavalos saíam à rua um em cima, outro embaixo, a turma jogando bolinha de gude para os caras se esparramarem no chão.” E conta: “um dia, o Exército estava na Praça Patriarca, no centro de São Paulo, metendo coro em todo mundo, um palhaço do Exército tirou a espada e gritou: ‘pára lá!’; não viu que estava cheio de bolinha de gude, esparramaram ele, a espada, os cavalos, a tropa, tudo. Vaia neles.” Pois é, não vivemos isso aqui, onde, todo mundo,  embalado pela matéria escolar de Educação Moral e Cívica, cantava “Eu te amo meu Brasil” em coro com Os Incríveis. (De que me vale / Ser filho da santa /
Melhor seria / Ser filho da outra / Outra realidade / Menos morta / Tanta mentira / Tanta força bruta…
)

E ela contou outra pérola: “sabe que, aqui na Rua Henrique Schaumann, abriu nessa época um bar com o nome de Cálice e quem veio inaugurar foi o próprio Chico?”.
Faz sentido a reflexão do Clyde, que escreve semanalmente no Jornal também: a  boa musica produzida no Brasil nos anos de chumbo não esta relacionada à censura. (De muito gorda / A porca já não anda / (Cálice!) / De muito usada / A faca já não corta / Como é difícil / Pai, abrir a porta / (Cálice!) / Essa palavra / Presa na garganta / Esse pileque / Homérico no mundo / De que adianta / Ter boa vontade / Mesmo calado o peito / Resta a cuca / Dos bêbados / Do centro da cidade…)

Caetano, por exemplo, havia estudado Filosofia. É certo, então, que as exigências de um ensino mais humanista, depois desconstruído e devastado pela ditadura militar, embora elitizado, contribuíram fundamentalmente para a formação de alguns pensadores cujo reflexo se deu sobremaneira nas artes. (Talvez o mundo  / Não seja pequeno / (Cálice!) / Nem seja a vida / Um fato consumado / (Cálice!) / Quero inventar / O meu próprio pecado / (Cálice!) / Quero morrer / Do meu próprio veneno / (Pai! Cálice!) / Quero perder de vez / Tua cabeça / (Cálice!) / Minha cabeça / Perder teu juízo / (Cálice!) / Quero cheirar fumaça / De óleo diesel / (Cálice!) / Me embriagar / Até que alguém me esqueça / (Cálice!))
Hoje, infelizmente, na educação de massas, embora não elitizada, não se experimenta mais isso. A sociedade agoniza com “valores equivocados, massificadas por novelas de baixíssima qualidade, que transmitem valores distorcidos, programas de televisão ‘imbecilizantes’, aliada a ausência assustadora de leitura, escolas que não ensinam, tudo isso culminando com total falta de senso critico”, como bem considerou o Clyde. Ele, que vê o país de longe, lamenta” “Que Deus tenha misericórdia do Brasil!”.

Aquelas músicas parecem tão adequadas às nossa realidade hoje. Confesso que começo a ficar apreensivo. (Pai! Afasta de mim esse cálice / Pai! Afasta de mim esse cálice / Pai! Afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue…).

Obs.: Os versos iunterpostos foram extraídos de Cálice, composição de Chico Buarque e Gilberto Gil.

São Manuel Sinfônico

Confesso que sou leitor e seguidor da coluna de Gerson Solano, neste semanário. Não sou “contador de causos” e admiro quem os conte, prendendo a atenção do seu interlocutor, dom que o Gerson cultiva com graça e inspiração.

Aos que me leem no “blog”, é preciso que saibam que o Gérson mantém no Jornal União uma coluna – “São Manuel de Ontem” –, na qual traz histórias de São Manuel.

Eu e tantos dos meus amigos sempre ficamos nos questionando sobre os idos e bons tempos, desde os memoráveis carnavais no Tênis Clube, as sessões no Cine São Manuel, até os grandes eventos que tornavam São Manuel culturalmente única na região e que hoje muito deixa a desejar. Coisa de quem está ficando velho? Será?

Todo esse intróito se deve a um adendo que tenho que fazer à história do Gerson, na semana passada.

Também me recordo da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a batuta do saudoso Eleasar de Carvalho, no Salão Nobre do Instituto, nos idos dos anos 1970. Sim, era o “Salão Nobre do Instituto!” àquela época e quanta coisa boa se viu ali!

Mas aquela não foi a única vez que São Manuel contou com a presença de uma sinfônica.

Essa história que vou contar ouvia das queridas D. Carminha e Vó Amelinha, que me deixaram o programa daquele evento. Perdoem-me pela imprecisão dos fatos e talvez o Carlinhos e a Marta Rosolino possam enriquecê-los melhor.

Foi em 07 de junho de 1962 que, em Sessão Comemorativa do Jubileu de Prata do extinto Seminário Santa Terezinha, apresentou-se a Orquestra Sinfônica e Coral Municipal de São Paulo, sob a regência do Maestro Armando Belardi.

O programa, me contavam elas, foi de arrepiar. Vejo que deve ter sido mesmo: os coros “O Signore del tetto nattio”, da ópera “I Lombardi”, e “Va pensiero sull’ali dorate”, de Nabuco, ambas de Verdi; a conhecida sinfonia da ópera “Il Guarany”, de Carlos Gomes; a abertura de “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini, entre outras.

O final deve ter sido estrondoso, como elas se recordavam, com a “Abertura Solene 1812”, para coro e orquestra, de Tchaikovsky, asseverando que, no momento final em que os tímpanos retumbam em alto volume, fora do Cine, eram engrossados com rojões.

Ah sim, a apresentação foi no Cine São Manuel. E muitos estarão se perguntando que cinema era esse. De fato, o Cine São Manuel foi um dos maiores na ocasião de sua inauguração e localizava-se onde hoje está instalada a Cybelar. Tempos memoráveis!

Quem pode e quiser acessar, há uma ótima versão da Abertura 1812, com a Filarmônica de Berlin, sob a regência de Seiji Osawa no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ItpinnwrkgU.

No programa há uma merecida homenagem ao Pe. João Batista Bísio, de quem, ouvindo as histórias que sobre ele contava o sr. Alcides Falcade, acabei me tornando sincero admirador. Na ocasião, era prefeito de São Manuel o Sr. Carlos Delgallo e o Pe. Domingos Fiorina, superior da Congregação dos Missionários da Consolata.

Convém recordar também, que, nos anos 1999 e 2000, o Teatro Municipal recebeu a Orquestra Sinfônica Jovem e o Coro da Escola de Música “Maestro Ernst Mahle”, de Piracicaba, sob a regência de Cíntia Pinotti. O concerto para dois violinos, de Bach, apresentado numa daquelas noite foi muito emocionante. E o evento contava com a participação do extinto Coral São Manuel.

Ainda, um outro momento muito particular merece ser lembrado.

No início dos anos 1990, por intermédio do querido amigo Professor Pazito, quando foi prefeito pela primeira vez o Baroni, a cidade recebeu a Banda Sinfônica de Cubatão.

A apresentação foi em palco especialmente montado na frente da Estação e fazia parte das comemorações do aniversário da cidade. Lembro da Vana, Vera, Tio e eu, ali embasbacados com um repertório muito bem escolhido, ignorando completamente o frio que fazia.

Pois bem, vários eventos que servem muito bem para reflexão: São Manuel, por sua importante influência, recebeu a Sinfônica Municipal de São Paulo, a Sinfônica do Estado; depois, a Banda de Cubatão e a Orquestra de Piracicaba. Parece-me, então, que, ao lamentar a ausência atual de tais atividades, não esteja sendo somente saudosista, mas vislumbrando que, se existiram um dia, tais momentos de riqueza cultural talvez possam retornar.