É um barato a Discoteca do Chacrinha…
Dias desses, vi o documentário “Alô, Alô, Terezinha”, de Nelson Hoineff, sobre o lendário Chacrinha.
Estou aqui articulando as palavras, mas já vou dizendo que cada um que se interessar deve assisti-lo para ter sua própria opinião.
Na verdade, a lembrança daquele que, entre vários outros, teve o nome de Discoteca do Chacrinha, remete a um programa de auditório muito divertido e que, além de calouros, trazia uma miscelânea de atrações que iam de Caetano Veloso a Agnaldo Timóteo, nos idos dos anos 1950 a 1980.
José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha (1917-1988), era um apresentador irreverente e, de tal forma descumpria roteiros e regras, que, deixando a produção enlouquecida, conseguia fazer um dos programas mais criativos e bem humorados que a TV brasileira já viu.
Imagine se Faustão, Hulk, Raul Gil ou qualquer outro conseguiria fazer isso atualmente – Faustão até que chegava perto no já pré-histórico “Perdidos na Noite”.
As Chacretes e o corpo de jurados integrados por célebres como Elke Maravilha, Aracy de Almeida, Carlos Imperial e Rogéria, entre outros, colaboravam para tornar o programa ainda mais atraente.
Isso tudo, com certeza, seria mais que suficiente para construir um documentário muito interessante.
Chacrinha incomodava.
Nelson Hoineff, entretanto, optou por um enfoque um tanto quanto grotesco.
O filme parte de depoimentos de ex-calouros que levaram “buzinadas”. Se, na época, já eram os protagonistas da famosa “vergonha alheia”, imaginem hoje. O diretor insistiu em captá-los cantando “a cappella”, em situações totalmente impróprias – um canta dentro de um circular –, extramente desafinados, tanto ou mais que antigamente.
As Chacretes se desconstroem. Salvo, talvez, Rita Cadillac, as demais se mostram em situações de velhice e pobreza. Expõem-se, expõem o passado de drogas e prostituição e expõem nomes de parceiros de então.
Mas não é só. Depoimentos de celebridades como Fábio Junior, Roberto Carlos, o próprio Agnaldo Timóteo estão totalmente desglamourizados, alguns deles chegando ao cúmulo de, tal como os ex-calouros, entoar suas músicas “a cappella”. A propósito, não há vez em que Timóteo apareça que não esteja criticando a Tropicália e João Gilberto.
Tamanha é a insistente bizarrice que me resta a dúvida de por que teria o filme sido construído em cima de cenas e pessoas tão grotescas para falar de um mito da alegria e irreverência. Além do mais, o “Velho Guerreiro”, codinome do Chacrinha, vestia-se com fantasias engraçadas; o cenário era de um colorido kitsch, porém agradável, e a Chacretes, em roupas mínimas, mas sempre atraentes.
Não me pareceu que o autor tivesse sido justo com o maior fenômeno de comunicação do país, politicamente incorreto, radical, renovador e que mudou para sempre a televisão brasileira e expressou um Brasil despercebido em torno dela, grande parte do tempo, no auge da ditadura militar.
Merten, crítico do Estadão, diz que Nelson Hoineff, de alguma forma reflete sobre o Brasil a partir de figuras que marcam a história da mídia brasileira, tanto que antes até já havia feito um documentário sobre Paulo Francis.
O documentário, contudo, preferiu expor pessoas a situações grotescas e constrangedoras a reconstruir todo o ideário da Discoteca do Chacrinha.
Ao final, restou-me uma sensação deprimente. Reforçada, quem sabe, por um choro sem qualquer convencimento do patético Agnaldo Timóteo e uma longa cena de Russo completamente calado, como quem nada tivesse a dizer, mesmo depois de tanto tempo ao lado deste grande fenômeno midiático.